quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Nostalgia x Saudade


Artist's illustration of young Sam Clemens
from The Boys' Life of Mark Twain
by Albert B. Paine, 1916.


Nostalgia x Saudade
Soaroir Maria de Campos
20/09/07 p/crônicas do RL

A gente passa a vida pedindo ao filho: “toca aquela” e nada. De repente, sem mais nem menos vem a reclamação: “pôxa vida, tô tocando “aquela” que você gosta e você nem dá bola!”.
A certa altura da vida a gente desiste de querer ver o resultado de tanto investimento, de sentir aquele orgulho especial que mãe sente ao ver o filho a dois indicadores tocando Für Elise, ou Polonaise. Por uma questão de sobrevivência a gente passa a agir como se fabricasse manteiga. Vai separando o líquido da nata até tudo acabar virando uma só pasta.
Não saberia dizer se saudade e nostalgia são coisas boas de se sentir. Cada qual com cada qual. Por exemplo, gravidez, bebê chutando na barriga sem deixar a mãe dormir, isso não pode ser saudade não. Só pode ser nostalgia. Aquela sensação de não saber quando voltar para casa, aguardar a menstruação, ouvir o hino nacional, ver sua bandeira hasteando, cáries atacando os dentes, querer a vida gozar, mas sem nada perder, não é falta, por isso não é saudade.
“Only If” com vigor dedilha lá na sala o, já nem tão, moleque. Partitura assentada, anotações de mi b – si b – lá b , e agora eu nem havia pedido nada. Foi então que veio a lembrança de mais de dez anos atrás quando o “toca aquela” jamais funcionou. Continuo gostando da música da Enya, mas a necessidade daquele orgulho já se perdeu e no lugar ficou uma “grace note” que não preenche a grade do tempo de exibição, daquela mesma carência da época em que o bife era mais que comida e “Over the Rainbow” era só “O mágico de Oz”.
A primeira sensação é pensar que tudo isso é uma bruta saudade e me vou dando voltas até lembrar também de fatos mais desgastantes daquela época e descubro que estas lembranças não doem e, portanto deduzo que isso seja a tal da ‘nostalgia metafísica’ (¹).
Hoje ele já se entende bem com Ravel e de quebra ainda peita um folk escocês “Campbell Town Loch” especialmente como agora quando estou tentando me concentrar. Mas o tempo de “que gracinha!” se foi e o que sinto é nostalgia mesmo, porque não dói como a saudade, embora com ela bem se pareça.


(¹) Pode dizer-se que o homem é por vezes habitado por uma 'nostalgia metafísica'. Ele age como se os ideais longínquos e inacessíveis que coloca perante si mesmo fossem realizáveis, agindo assim como se a finitude que o caracteriza não fosse um dado, mas uma condição que deve ser constantemente testada.
-- Emmanuel Kant.

sexta-feira, 7 de setembro de 2007

Quebra de rotina

© Soaroir 07/09/07
(para "Crônicas" do RL e Crônicas e Soaroir)



Entre outras derivações e rubricas, de acordo com nossos dicionários, rotina é: “trecho de código constituído por um conjunto de instruções capaz de executar uma tarefa, e que pode ser invocado por um programa". E foi aqui que me detive nesta ensolarada manhã desse feriado e sem a menor condição de praticar qualquer outra atividade a não ser me dedicar a minha insana mania. Digo insana porque para se meter a escrever crônicas depois de Fernando Sabino, Rubem Braga, Veríssimo e outros tantos, é preciso ser, ou muito bom, ou completamente doido, que é o meu caso.
A fim de dissimular a minha doideira e tentar não ser repetitiva e ou ser acusada de coisa pior, antes de começar a falar desse “nhenhenhém” fiz uma breve pesquisa a respeito do assunto e é espantoso que a maioria relacione rotina somente com a do casamento e a do trabalho. Diferentemente dos demais pontos de vista que encontrei, entendo que a falta de rotina pode levar nossos projetos pras cucuias, por exemplo, para quem esteja se preparando para prestar um vestibular. Não tenho a menor idéia do que dizem os “Lacans” da vida a esse respeito, mas do meu rotineiro ponto de vista, seguir uma rotina não é para qualquer um; é antes necessário ser muito disciplinado, organizado e determinado, caso contrário a concentração do que quer que se faça se dispersa e é ai que encaixo os demais sinônimos: aversão ao progresso e às inovações, conservadorismo, enfado, quando a rotina da vida se torna amofinação, desprezível e responsável por muita insatisfação. Por outro lado é praticamente impossível identificar o que nos incomoda ou o que é indispensável em nossas vidas quando estamos tão acostumados a aceitar as coisas como elas são, até o dia em que a rotina é interrompida:
Warning: mysql_connect() [function.mysql-connect]: Can't connect to local MySQL server through socket '/var/lib/mysql/mysql.sock' (2) in /home/re…/public_html/lib/mysql.class.php on line 52
Sistematicamente a minha trilha é sempre a mesma todas as manhãs, especialmente no contexto informática:
uma de várias linhas sobre as quais são gravados dados em meios magnéticos, que assumem a forma de retas, em fitas magnéticas, ou de circunferências concêntricas, em discos magnéticos.
Ponho-me de pé assim que as sabiás começam a dar seus matutinos pios. Logo após toda a tramitação dos pré e pós-desjejuns, agúo as plantas, ponho alpiste para os passarinhos ( não engaiolados) e corro para a minha insana mania. Mas logo hoje, quando a conexão via telefone é mais barata dou de cara com aquela mensagem, para mim, sub-espacial:
- “Que droga! Quebraram a minha rotina, e agora?" Pensei. A pane então se estendeu à HD da minha rotina e eu, sem raciocinar, imediatamente enviei um e-mail para o site que estava fora do ar!... Pode até ser mesmo doideira, mas já são nove horas e minha rotina me faz falta.