segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Crônica do Professor

Exijo ser tratado como bandido.
Gilberto de Oliveira Kloeckner - Professor da UFRGS

Nos últimos meses a minha família tem se dedicado a cumprir a
profecia do Paulo Sant’Ana: aquela de que você ainda será assaltado.
Entre um boletim de ocorrência e outro, corridas a bancos para
cancelar os cartões de crédito, esperas em antessalas de delegacias e seguradoras, tenho tido algumas idéias como, por exemplo, distribuir senhas para os meus assaltantes ou instalar uma porta giratória lá em casa para facilitar a entrada e saída dos meliantes. Talvez estes procedimentos tragam
um pouco de ordem, e conseguirei algum progresso para sair deste caos. Ordem
e progresso... já li isso em algum lugar?Bem, mas não vem ao caso. Vamos ao que interessa.
O que eu realmente quero é ser tratado como bandido neste país. Exijo os
mesmos direitos constitucionais. Não deixo por menos. Quero isonomia de
tratamento. Explico. Primeiramente, quero ter o direito de ir e vir
livremente, a qualquer hora do dia ou da noite, caminhar pelas ruas e
parques sem preocupações, e não viver mais com medo, atrás de grades e
barras de ferro. Igualzinho aos bandidos.
Exijo, também, ter o direito de defender a minha família e o meu
patrimônio com armas apropriadas. Atualmente a legislação só permite que eu
utilize em minha defesa uma faca de pão (com lâmina inferior a 10
centímetros), e um cabo de vassoura. Usados com muita moderação. Ai de mim
se eu machucar o meliante! Aí sim eu vou sentir na pele o que é o rigor da
lei brasileira. Quero ter uma arma de verdade, adquirida
livremente no comércio local, sem necessidade de porte, exame de tiro,
psicotécnico e pagamento de taxas. Quero também poder usá-la e não precisar
estar ferido pelo arrombador, dentro da minha própria residência, para
começar a defesa da minha vida. Enfim, tudo aquilo que não se aplica aos
bandidos não deve ser aplicado a mim.
Tem mais. Não quero mais pagar imposto sobre o produto do meu trabalho
(aquilo que os meus ex-alunos, hoje na Receita Federal, teimam em chamar de
“renda”). Bandido não é tributado, não paga imposto sindical nem conselho
regional. Exijo o mesmo tratamento fiscal. E, se por acaso eu ficar impedido
de trabalhar, gostaria que meus filhos e esposa recebessem uma pensão do
Estado, todo o santo mês, igualzinho aos filhos e esposas dos bandidos.
Afinal, minha família também merece
um tratamento assim, justo e diferenciado. E digo mais: cairia muito bem um
acompanhamento de alguma ONG de direitos humanos para fiscalizar o processo
e cuidar do nosso bem-estar.
E, se um dia eu vier a dar entrada no Pronto Socorro com algum
ferimento grave, gostaria de ter a mesma prioridade no atendimento que os
criminosos. Afinal, eu ainda pago imposto (o que eu espero seja extinto em
breve) e faço, como professor, a minha contribuição para o desenvolvimento
desta florescente economia. Mas, se algum dia, por um infortúnio eu vier a
cometer algum ato ilícito e for preso, espero ter um apoio jurídico gratuito
imediato, e que a área judiciária tenha a mesma consideração comigo,
liberando-me rapidamente. Afinal, eu tenho coisas mais importantes a fazer
na vida como esta, a de buscar igualdade de tratamento perante a lei com os
meus compatriotas contraventores. Afinal, é meu direito constitucional.


enviado por Luna & Amigos
(Poetas Del Mundo)
5 de setembro, 2010