segunda-feira, 13 de julho de 2009

...quando ela envelhecer

Crônicas de Soaroir
http://socronicas.blogspot.com/
Julho 2009



imagem/net/mabels




Ando muito injuriada e não é pela minha idade, mas pelas porcarias que fazem, e escrevem sobre os velhos. Tem uns “sem noção” que provavelmente mesmo velhos não sejam suficientemente vividos para falar da nossa realidade e ficam se achando. Criam grupos disso, daquilo para projetar sabe-se deus quem ou o quê, e entre estes estão os dos “idosos” .

Outro dia (crônica à parte - “Legalmente Velha”) o meu porteiro ligou para avisar que havia chegado o meu cartão “do idoso”. Sim, por que vem escrito em negrito logo depois do destinatário.

Mas hoje a minha paciência levou à breca.(¹) Enquanto tentava, inutilmente, descobrir uma matéria que não pude acompanhar às 7:45 de hoje num determinado canal que anteriormente anunciara falar sobre as benesses da internet para incentivo à leitura bem como aos novos escritores, deparei com a seguinte “headline”

“Sábado, 11 de Julho de 2009
Vida depois dos 60 anos
O trabalho voluntário do Grupo Vida é proibido para menores de 60.”

Embora o meu oficio de escrever seja mero laboratório para desincrustar minhas antigas bactérias, não entendi muito bem a manchete.

Entre outras anomalias lá estava: “Aqueles que não conseguem mais ficar de pé, dão um jeitinho para balançar no ritmo do forró” Puxa vida...! (para não dizer outra coisa)

Tudo bem, “Tudo vale a pena se a alma não é pequena”, mas cá entre nós: levar música, de forró, para pessoas idosas, entre as quais algumas sequer mais conseguem ficar de pé é violência, uma afronta, para não dizer sacanagem. Isso é provocar, categorizar o próximo da sua mais íntima miserabilidade, que é a capacidade de movimentos, forçando-o a fingir que está gostando...

E outro dia?
Eu cheguei na dentista, aparentemente recém formada e já foi ela... “vai doer um pouquinho... vou dar uma anestesiazinha, abre a boquinha...” Ai eu me enfezei. Tirei aquelas porcarias da boca, me pus de pé e disse:
- Doutora, não me leva a mal, mas, primeiro não sou retardada, segundo já frequento dentista há bem mais de 50 anos e, pelo que me conste, ainda ministram ética em odonto. Resumindo - a pobre ficou roxa e mudou de tom enquanto extraía a raiz do meu dente.

Acho que caiba a nós, com mais de 60, educar, doutrinar essa turma que ainda não está familiarizada com a nossa geração e não permitir que as nossas carências e/ou consequências sejam confundidas com retardamento mental.

“Vida Depois dos 60 anos”... E antes? Que droga andamos nós fazendo por aqui? Estavamos mortos e não sabíamos? Quero chegar logo aos 90! Aos 90 logo...Reitero. Só para ver esta turma velha..., dançar forró.

Soaroir de Campos 11/7/09


(¹) bancarrota

(in loco p os céticos:
http://acao.globo.com/Acao/0,23167,GTS0-3776-61499,00.html)

domingo, 5 de julho de 2009

Legalmente Velha

(primeiro rascunho)
By Soaroir de Campos
05-07-09

◊ Receber na portaria do prédio uma correspondência ostentando, em negrito, um título, define um status e nos causa muito impacto. Dependendo do nosso momento, colabora, inclusive, para nos situar na realidade.
◊ Do registro de nascimento, passamos pelas cadernetas de escola, cartões de banco, de crédito, até àqueles pendurados no pescoço identificando-nos como “escritora”, nos caracterizando como cidadãos, conquistadores, ativos sujeitos inseridos no contexto de uma sociedade evoluída, os quais exibimos com orgulho.
◊ Com o tempo, os cabelos e os demais acessórios, aqueles vão perdendo a validade. O impressionante é que coincidem com o vencimento do passaporte, da carta de habilitação (CNH) e os utensílios domésticos.
◊ Do banheiro até a área de serviço, tudo começa a ruir. A princípio, muito naturalmente encarado. Os azulejos despencam, o colchão já era, a TV perde o contraste, aquele computador que uma vez fora de última geração e sacrificosamente adquirido no cartão de crédito já não gera memória suficiente para acompanhar a evolução.
◊ Para um moderno fogão que perdeu o acendedor automático não há mais peças para reposição. Igualmente para a lavadora que parou cheia de água e de pratos sujos. E a máquina de lavar então!? Um dia valiosíssima e autêntica White-Westinghouse, se derrama em óleo toda a vez que é obrigada a trabalhar a ponto de sair correndo, patinando pela área afora.
◊ Aí é hora de convocar uns pajés, que não distribuem cartões de visitas (mas que los hai, los hai) para nos benzer juntamente com a casa. Quando assombrosamente toca o interfone, e um jovem porteiro com uma voz regozijante anuncia:
― Dona Fanegundes, acabou de chegar o seu cartão do idoso.
◊ E ao rasgar o envelope, lá está um resumo de tudo, em cores vivas e indubitável fotografia, no último cartão que ostentaremos junto ao da assistência médica e o antigo RG: