Artist's illustration of young Sam Clemens
from The Boys' Life of Mark Twain
by Albert B. Paine, 1916.
Nostalgia x Saudade
Soaroir Maria de Campos
20/09/07 p/crônicas do RL
A gente passa a vida pedindo ao filho: “toca aquela” e nada. De repente, sem mais nem menos vem a reclamação: “pôxa vida, tô tocando “aquela” que você gosta e você nem dá bola!”.
A certa altura da vida a gente desiste de querer ver o resultado de tanto investimento, de sentir aquele orgulho especial que mãe sente ao ver o filho a dois indicadores tocando Für Elise, ou Polonaise. Por uma questão de sobrevivência a gente passa a agir como se fabricasse manteiga. Vai separando o líquido da nata até tudo acabar virando uma só pasta.
Não saberia dizer se saudade e nostalgia são coisas boas de se sentir. Cada qual com cada qual. Por exemplo, gravidez, bebê chutando na barriga sem deixar a mãe dormir, isso não pode ser saudade não. Só pode ser nostalgia. Aquela sensação de não saber quando voltar para casa, aguardar a menstruação, ouvir o hino nacional, ver sua bandeira hasteando, cáries atacando os dentes, querer a vida gozar, mas sem nada perder, não é falta, por isso não é saudade.
“Only If” com vigor dedilha lá na sala o, já nem tão, moleque. Partitura assentada, anotações de mi b – si b – lá b , e agora eu nem havia pedido nada. Foi então que veio a lembrança de mais de dez anos atrás quando o “toca aquela” jamais funcionou. Continuo gostando da música da Enya, mas a necessidade daquele orgulho já se perdeu e no lugar ficou uma “grace note” que não preenche a grade do tempo de exibição, daquela mesma carência da época em que o bife era mais que comida e “Over the Rainbow” era só “O mágico de Oz”.
A primeira sensação é pensar que tudo isso é uma bruta saudade e me vou dando voltas até lembrar também de fatos mais desgastantes daquela época e descubro que estas lembranças não doem e, portanto deduzo que isso seja a tal da ‘nostalgia metafísica’ (¹).
Hoje ele já se entende bem com Ravel e de quebra ainda peita um folk escocês “Campbell Town Loch” especialmente como agora quando estou tentando me concentrar. Mas o tempo de “que gracinha!” se foi e o que sinto é nostalgia mesmo, porque não dói como a saudade, embora com ela bem se pareça.
20/09/07 p/crônicas do RL
A gente passa a vida pedindo ao filho: “toca aquela” e nada. De repente, sem mais nem menos vem a reclamação: “pôxa vida, tô tocando “aquela” que você gosta e você nem dá bola!”.
A certa altura da vida a gente desiste de querer ver o resultado de tanto investimento, de sentir aquele orgulho especial que mãe sente ao ver o filho a dois indicadores tocando Für Elise, ou Polonaise. Por uma questão de sobrevivência a gente passa a agir como se fabricasse manteiga. Vai separando o líquido da nata até tudo acabar virando uma só pasta.
Não saberia dizer se saudade e nostalgia são coisas boas de se sentir. Cada qual com cada qual. Por exemplo, gravidez, bebê chutando na barriga sem deixar a mãe dormir, isso não pode ser saudade não. Só pode ser nostalgia. Aquela sensação de não saber quando voltar para casa, aguardar a menstruação, ouvir o hino nacional, ver sua bandeira hasteando, cáries atacando os dentes, querer a vida gozar, mas sem nada perder, não é falta, por isso não é saudade.
“Only If” com vigor dedilha lá na sala o, já nem tão, moleque. Partitura assentada, anotações de mi b – si b – lá b , e agora eu nem havia pedido nada. Foi então que veio a lembrança de mais de dez anos atrás quando o “toca aquela” jamais funcionou. Continuo gostando da música da Enya, mas a necessidade daquele orgulho já se perdeu e no lugar ficou uma “grace note” que não preenche a grade do tempo de exibição, daquela mesma carência da época em que o bife era mais que comida e “Over the Rainbow” era só “O mágico de Oz”.
A primeira sensação é pensar que tudo isso é uma bruta saudade e me vou dando voltas até lembrar também de fatos mais desgastantes daquela época e descubro que estas lembranças não doem e, portanto deduzo que isso seja a tal da ‘nostalgia metafísica’ (¹).
Hoje ele já se entende bem com Ravel e de quebra ainda peita um folk escocês “Campbell Town Loch” especialmente como agora quando estou tentando me concentrar. Mas o tempo de “que gracinha!” se foi e o que sinto é nostalgia mesmo, porque não dói como a saudade, embora com ela bem se pareça.
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