quinta-feira, 21 de agosto de 2008

J’accuse...!

(Crônica dos Ceguinhos)


By Soaroir 21/8/08

Diferentemente do de Zola, este título não origina nenhuma carta, embora pudesse ser enviada a algum chefe do governo. Foi forte a emoção que senti ontem enquanto atravessava a Av Paulista com a Av. Brigadeiro Luiz Antonio. Realismo puro, sem tirar nem pôr.
Cego, digo, deficiente visual que se preza não aceita piedade nem para atravessar a rua. O que é muito justo, pois somos todos diferentes e temos que aprender a nos virar sozinhos com as nossas deficiências, sem ter que depender de caridades. Somos, em primeiro lugar, gente, e cidadãos que, independentemente de nossas penas, pagamos o pato.
Saindo da rua Manoel da Nóbrega, vitoriosamente, respira aliviada uma bengala que em seguida tateia as grades de proteção que anteparam as pistas seguintes. Dá daqui, dá de lá, até que uma transeunte segura no braço do rapaz portador da bengala branca. Mas ele dá de ombros e solta um tipo de muxoxo. A moça encabulada desiste e o moço desce um degrau e vai se metendo entre os carros enquanto a multidão ao redor grita: - “Pare, pare!” Este, visivelmente desorientado, retrocede e continua batendo a bengala para entender aquela diferença de níveis e descobrir o local de travessia. Então, eu, de braços cruzados, me aproximei. – “Precisa de ajuda para atravessar a Avenida Paulista?” Sequer toquei em seu braço. Lição dos dias de trabalho junto a sra Dorina Nowill, Laramara e Instituto Padre Chico, quando aprendi algumas técnicas para me aproximar de um deficiente visual sem causar melindres.
Ai, ele é que me pareceu encabulado.
– Faz tempo que não venho por aqui.
– É, estão modernizando tudo por aqui - comentei. O farol abriu e verbalmente eu fui indicando a direção para que ele pudesse acertar aquele vãozinho de aproximadamente um metro, entre as “barricadas” do canteiro central.
Ele me parecia um tanto nervoso, e não era pra menos. O cidadão quase fora atropelado após recusar ajuda e não acreditava que tudo que ouvira sobre a reforma da paulista, conforme me revelou enquanto andávamos, não atendesse às necessidades de um deficiente visual.
– “A avenida de cara nova... Onde estão as inovações tecnológicas para o conforto e acessibilidade?”, arrematou o jovem, assim que atravessamos a avenida e ele me perguntar se o ponto de ônibus estava para a direita ou para a esquerda.
E eu, que passo por lá toda a hora e nunca me dei conta da dificuldade que aqueles desníveis e estreitas passagens causam a um deficiente visual, resolvi pesquisar. E não é que está tudo lá no “CENTROSP”!:



A Paulista de Cara Nova
Avenida terá calçadas, canteiro
central e paisagismo refeitos da Praça Osvaldo Cruz até a rua Consolação.
Quase 30 anos depois, a Avenida Paulista começa a ser revitalizada a partir
da substituição de suas calçadas, hoje remendadas e danificadas pelo tempo. O
novo piso será feito com o que há de mais moderno em tecnologia de construção:
pavimento de concreto moldado no local, com juntas de dilatação em latão. Além
do padrão estético - destacado pelo contraste das tonalidades do concreto,
grafite e natural, com o dourado das juntas metálicas -, a opção por este
material levou em conta a durabilidade, a facilidade de manutenção e o conforto
para caminhar. Será também a primeira avenida da cidade a ter acessibilidade
total, com a instalação de 200 rampas. O canteiro central e os jardins também
serão renovados.”.



E etc. Por tudo isso eu acuso os homens de pouca fé por suas (toda essa) displicências.



¹ Émile Zola
Paris, abril 1840/setembro 1902.
Idealizador e principal expoente
do naturalismo na literatura.

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